“Os significados da amizade” por Reinaldo Lemos

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A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada. O que mais se aproxima do ideal de amizade talvez seja aquele momento inicial de encantamento, o despertar a atenção para um novo amigo, a paixão inicial. Sim, quem foi que disse que não há paixão na amizade? Aquele instante primeiro em que a gente se envaidece por imaginar ser objeto de atenção de alguém que, de sua parte, também nos desperta interesse, seja pelos mais variados motivos, pela inteligência, pelo aspecto astuto, pela popularidade, às vezes até por um corte de cabelo.
E como estragamos a amizade. Corrermos atrás da gratificação imediata. Objetivos pontuais e diretos. ¨Ele vai me ajudar na prova, vou conseguir contato com aquele mundo…¨. Alguns são desesperados: ¨¨como é bom ser ouvido por alguém tão qualificado¨. Outros apenas interesseiros: ¨vai me conseguir aquele emprego¨. Mesmo se somos pacientes, é porque escondemos o interesse muito bem guardado, num altruísmo que quase acreditamos que existe. Enfim, todo esse esforço há de ter um retorno, em algum tempo e lugar, incerto e futuro, mas razoavelmente possível.
Outras vezes quedamo-nos carentes em relação às pessoas e ao mundo, surpresos quando as contingências da vida, que se move de acordo com a rotação da terra e as fases da lua, volta e meia colocam distantes aqueles que importam. Não encontramos o amigo na hora que precisamos, quando surge aquele problema inesperado que só ele pode resolver, ou quando a solidão aperta no domingo à tarde, e aquele telefone que só dá caixa, e aquele outro que é atendido por um bip curto e persistente, indicando que o seu amigo está muito ocupado para você. Pode estar em alguma empreitada diante do sexo oposto – o que o fará demorar muito a retornar. Se for isso, compreendo. Compreendo bem. Mulheres, como a amizade é palavra tão diferente no reino das fêmeas. Bom, mas isso é assunto para outra hora.
Ainda o telefone que não atende. Pode ser que o amigo esteja conversando com outro que se apresente mais oportuno, presumo. Coisas que você também faz e nem nota que faz. Nem se importa. Como é curioso, quando somos nós a olharmos aquela ligação telefônica e não atendemos, e simplesmente pensamos ¨mais tarde¨, ¨mais tarde¨, não é nosso o incômodo do episódico desprezo. Ainda bem que para cada passo de egoísmo, do outro lado, há sempre a saída da autopreservação, ou seja lá como se chame, há sempre um pouco de bem guardada – nome em moda hoje em dia – autoestima. Há sempre outros amigos para ligar – ou se não há, um livro é uma boa saída. Marcel Proust disse ¨ a leitura é uma amizade.¨
Conheço alguns tipos autossuficientes, que não dão a mínima para a amizade, a conveniência tem lugar de absoluto destaque. O peso de suas relações se mede pela tarimba dos eleitos ao convívio. Em geral, pessoas cheias de manias, que não suportam ter de dar grande explicação a quem os cerca. Sujeitos felizes consigo próprios. Insuportáveis, a eles a palavra amizade é um nome lisonjeiro, porém sem muito significado.
Não, prefiro os que se perdem na hipocrisia não intencional, que tentam ser pessoas melhores, embora não consigam, que almejam a amizade ideal, embora tanto decepcionem os que nela acreditem. Eu sou um desses.
A amizade verdadeira é um ser estranho, um extraterrestre à procura de um novo planeta para explorar. Pode ser que exista em algum lugar. O jeito é continuar procurando. Que passe pela mão dupla da crítica, da conversa franca e desinteressada. Crítica é algo difícil de aceitar, mas é o único presente que o amigo pode dar. A conversa franca é a melhor parte. É a recompensa, o que faz tudo valer à pena. O desinteresse. Bom, esse é mesmo difícil. Há de passar pelo crivo da dúvida. Interesse sempre existe, e como marcam aqueles momentos em que não se sabe quem está ajudando mais a quem, se a balança da relação está ou não equilibrada.

A resposta da amizade verdadeira a mim está próxima. Não esperar muito do que vem de lá. Oferecer de bom grado o que pode, curtir a graça da companhia fraterna, nos seus brevíssimos instantes.

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