Empresa de ‘laranja’ que faz obra em prisão de Mossoró também atua na penitenciária de Brasília

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A empresa R7 Facilities, que está em nome de um “laranja” e presta serviços de manutenção no Presídio Federal de Mossoró (RN), também atua dentro da Penitenciária Federal de Brasília (DF). O contrato para oferta de mão de obra técnica e administrativa é um dos que foram obtidos pela companhia desde que ela passou para o nome de “testas de ferro”. A empresa viu seus contratos multiplicarem após a chegada dos laranjas.

A R7 presta “serviços continuados de apoio técnico administrativo, mediante regime de contratação indireta” no presídio de Brasília, no valor total de R$ 1,97 milhão. O contrato foi assinado em março de 2023 por meio da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) do ministério.

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Desde janeiro de 2021 a empresa com faturamento na casa dos R$ 195 milhões está em nome de laranjas. Primeiro, Wesley Camilo, um brigadista de hospital que vive na periferia de Brasília.

Desde fevereiro de 2023, Gildenilson Braz Torres consta no papel como único dono. Ele foi beneficiário do auxílio emergencial e em uma ação judicial foram encontrados R$ 532 nas contas dele. Coube a ele assinar o contrato com a penitenciária da capital federal.

O contrato com o presídio de Mossoró é de abril de 2022. Na época, Wesley Camilo aparecia na documentação oficial como dono. No último dia 14, dois detentos do Comando Vermelho fugiram da unidade prisional.

Há a suspeita de que uma obra teria facilitado a fuga dos criminosos – a primeira na história dos presídios de segurança máxima do País. A Polícia Federal investiga as possíveis causas.

O valor contratado pelo governo federal com a R7 Facilities mais que dobrou depois que a empresa foi vendida pelo dono original e fundador, o empresário Ricardo Caiafa. Antes da venda, foram 67 contratos com o Executivo federal, somando R$ 171,4 milhões. Depois que o CNPJ trocou de mãos, para Wesley e Gildenilson, foram firmados mais 47 contratos com o Executivo, no valor total de R$ 357 milhões.

A maior parte desse montante – R$ 305 milhões – foi contratada em 2023, já na gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A empresa também informou ter contratos com a Câmara dos Deputados, com o Senado Federal, com órgãos do Judiciário e empresas estatais.

O primeiro contrato da empresa com o Executivo foi assinado em setembro de 2016, para a prestação de serviços à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). No entanto, Gildenilson Torres, dono da R7 no papel, parecia desconhecer essa informação.

“Meu filho, eu entrei na empresa no ano passado. Eu não sou laranja, entrei ano passado. A gente vem trabalhando essa empresa há alguns anos e agora que ela começou a entrar em processo de licitação”, disse Gildenilson, que é técnico em contabilidade.

Até o momento, os contratos já resultaram em pagamentos de R$ 372,8 milhões do Executivo para a empresa, segundo dados do Portal da Transparência.

Gildenilson Braz se tornou sócio administrador da R7 Facilities em fevereiro de 2023. Um mês depois, assinou contrato com a penitenciária de Brasília e, dois meses depois, firmou aditivo do contrato original para prestação de serviços na cadeia de Mossoró.

À parte dos contratos de prestação de serviços para as penitenciárias de Mossoró e Brasília, a R7 já fechou outros nove contratos com várias unidades do Ministério da Justiça. Desde a venda para Wesley, foram seis deles, que somam R$ 31,7 milhões.

O maior deles foi assinado em dezembro do ano passado, sob o número 29/2023: R$ 18,8 milhões para prestação de serviços à unidade do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, órgão ligado à estrutura do Ministério da Justiça.

Especialistas em segurança pública consultados pela reportagem consideram grave o fato de dois presídios de segurança máxima manterem contratos com uma empresa sem saber quem é o verdadeiro dono. No total, o sistema federal tem cinco penitenciárias desse tipo (Brasília, Mossoró, Campo Grande, Porto Velho e Catanduvas, no Paraná).

Segundo advogados especialistas em licitações, a apresentação de informação falsa – como o ocultamento dos verdadeiros donos – pode tornar nulos os contratos da empresa. Além disso, os envolvidos podem ser acusados de falsidade ideológica, na esfera penal.

No caso de Mossoró, há a suspeita de que uma obra teria facilitado a fuga dos criminosos. Rogério da Silva Mendonça, conhecido como Tatu, e Deibson Cabral Nascimento, o Deisinho, ainda não foram encontrados. As buscas por eles se estendem por mais de uma semana.

R7 diz que alegação é “preconceito” e ministério pede apuração

Em nota, a empresa R7 Facilities alegou que é “imprudente” e “preconceituoso” se referir a Camilo e Gildenilson como laranjas. “O sr Wesley Camilo foi sócio da empresa R7 Facilities e o sr Gildenilson é o atual sócio, como pode ser verificado em documentos públicos junto à Junta Comercial do Distrito Federal”.

A empresa se recusou a comentar sobre a fuga dos dois presos ligados ao Comando Vermelho, não especificou como atua no Rio Grande do Norte e não informou se irá colaborar com as investigações.

Após a reportagem do jornal O Estado de São Paulo revelar que a R7 está em nome de um laranja, o Ministério da Justiça afirmou que vai dar início a uma apuração detalhada sobre o tema. A pasta vai acionar “os órgãos competentes federais para que seja realizada rigorosa apuração referente à lisura da empresa citada”.

Ainda segundo o ministério, a R7 Facilities cumpriu todos os requisitos técnicos e apresentou as certidões necessárias, além de estar cumprindo todas as obrigações, no caso do contrato em Mossoró.

Gildenilson afirmou ter CEO, diretores e outros empreendimentos, mas que não podia dar informações sobre eles. Ele desligou o telefone logo após a reportagem insistir em mais detalhes.

“Cara, tipo assim, ‘tá’ rolando uns negócio aí do contrato que a gente tem terceirizado de Mossoró. É sobre isso? Tipo assim, tenho de conversar com meu advogado. Não posso falar nada sem conversar com ele. Qualquer coisinha, pego seu número e entro em contato”, afirmou.

Antes, desde janeiro de 2021, a companhia estava em nome de outro “testa de ferro”, o bombeiro civil Wesley Fernandes Camilo. Foi ele quem assinou o contrato, em 2022, com o antigo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), atual Senappen.

Hoje, Wesley Camilo trabalha como brigadista em um hospital particular de Brasília e afirmou ter renda mensal de R$ 4 mil. Mesmo assim, alegou estar satisfeito por ter repassado a empresa de balanço milionário da qual aparecia como único dono.

O bombeiro civil afirmou que comprou a empresa milionária sem desembolsar nada. Segundo ele, a firma foi repassada com créditos não recebidos e ele trabalharia para recuperá-los. O brigadista negou ter sido um laranja.

“Na realidade, irmão, eu comprei do Ricardo e passei para para o Gil. Mas isso aí, bicho, vai além de tudo isso. O meio é fogo, irmão. É só você pesquisar. Para ficar num meio sujo e perverso, melhor sair e passar para a mão dos caras”, disse Wesley, negando-se a detalhar a que se referia.

O fundador da empresa é Ricardo Caiafa, um empresário de Brasília. Ele afirmou que decidiu vender a companhia porque enfrentava dificuldades no mercado e decidiu sair do ramo. Foi procurado por um advogado que intermediou a negociação para Wesley Camilo.

Caiafa afirma não ter mais ligação com a R7. Diferentemente dos novos donos, ele mora em uma casa no Lago Sul, considerado o bairro com a maior renda per capita do País. A reportagem não encontrou indícios de que ele tenha vínculos com o grupo que controla a empresa atualmente.

 

André Shalders/Vinícius Valfré/Tácio Lorran/Estadão

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