Como a majestade da fictícia Wakanda, Chadwick Boseman levou às telas o importante personagem de quadrinhos para o movimento negro, lotou salas no mundo todo e criou um marco de representatividade nos cinemas. Aos 42 anos, o ator morreu de câncer de cólon na sexta-feira (28).
“Um verdadeiro lutador, Chadwick perseverou em tudo e trouxe a você muitos dos filmes que você aprendeu a amar”, publicaram na conta oficial do ator no Twitter.
“De ‘Marshall’ a ‘Da 5 Bloods’, o ‘Ma Rainey’s Black Bottom’ de August Wilson e vários outros -todos foram filmados durante e entre inúmeras cirurgias e quimioterapia.”
Boseman aparece no filme mais recente de Spike Lee, ‘Destacamento Blood’, longa sobre a Guerra do Vietnã que estreou na Netflix em meio aos protestos do movimento Black Lives Matter. Seu papel mais celebrado, no entanto, continua sendo o de “Pantera Negra”, de 2018, em que interpretou o rei T’Challa.
“Pantera Negra”, primeiro filme de super-herói protagonizado por um afro-americano e dirigido por um, Ryan Coogler, foi o quinto mais exitoso dos 23 filmes da Marvel.
O título também foi o primeiro longa de super-herói da história a disputar o Oscar de melhor filme -e elogiado por ressoar as tensões raciais nos Estados Unidos na trama.
O elenco, predominantemente negro, inclui famosos como Angela Bassett, Michael B. Jordan, Danai Gurira e os ganhadores do Oscar Forest Whitaker e Lupita Nyongo.
Nunca antes um personagem de quadrinhos foi tão importante para o movimento negro como esse. Cinquenta anos depois de sua criação, o filme chegou às telas para suprir a grande necessidade de representatividade no cinema americano.
Ele mostrou uma África como nunca vista antes por outro negro, próspera e tecnológica, um lugar não invadido, roubado e colonizado -e tendo como rei não só um herói, mas um líder para todos os povos do seu reino.
O cuidado com a história e com os ícones dos movimentos negros são facilmente percebidos durante o longa.
As roupas identitárias de tribos, os cumprimentos e dialetos específicos de povos africanos foram devidamente colocados com o respeito merecido -um exemplo das referências tiradas das lutas dos movimentos negros norte-americano foram os conflitos entre Killmonger, vivido por Michael B. Jordan e o próprio T’Challa, com suas ideias claramente identificadas com as discussões entre Martin Luther King Jr. e Malcolm X nos anos 1960.
O filme mobilizou uma legião não só de fãs, mas de pessoas que sentiam falta de uma representatividade no universo dos super-heróis. Pela primeira vez, pessoas pretas podiam planejar saídas especiais para assistir a um filme desse gênero e se vestir com roupas e acessórios de inspiração africana.
Nas primeiras duas semanas de estreia do filme em Nova York, as salas do Magic Johnson Theatre, cinema no Harlem, histórico bairro negro de Nova York, as sessões estavam sempre cheias.
Nascido na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, Chadwick Boseman é o mais novo de três filhos. Seus pais, Carolyn e Leroy, trabalhavam para um conglomerado agrícola.
Ele se formou pela Universidade Howard e teve papéis pequenos na televisão antes de sua primeira grande aparição em 2013, quando interpretou o ícone do beisebol Jackie Robinson no filme “42”.
A partir de então, o ator seguiu em uma sequência de filmes sobre a história de grandes personagens, como em “Get On Up”, de 2014, em que interpretou o cantor James Brown, e “Marshall”, de 2017, em que deu vida a Thurgood Marshall, juiz da Suprema Corte americana morto em 1993. Nenhum deles, no entanto, chegou à magnitude do que viria a ser seu papel como o pantera negra.
A saudação “Wakanda Forever” se tornou para muitos o novo “Black Power”. Durante um bom tempo, não era difícil encontrar videos de Boseman em partidas de basquete, programas de TV, escolas ou até mesmo no tapete vermelho do baile do Met, trajado de rei de Wakanda, fazendo seu cumprimento típico, entrelaçando os braços sob o peito e falando de forma firme “Wakanda Forever!”.
No lamento de sua morte, há um suspiro de poder assisti-lo em seu último filme, “Ma Rainey’s Black Bottom”, baseado na peça de August Wilson e dirigido por George C. Wolfe. No longa, ainda sem data de estreia, Boseman contracena com a atriz Viola Davis.
Fica também o legado de “Pantera Negra”, que vai além dos estúdios da Disney. Foi um filme que mudou a forma como os pretos são retratados no cinema, nos desenhos e até mesmo nas dublagens.
O filme jogou luz sobre os problemas da indústria cultural americana e, a partir dele, muitas outras obras da cultura pop americana tiveram que ser produzidas já com a representatividade correta e outras tiveram que ser ajustadas.
A influência criada nesse legado, apoiado pelo Black Lives Matter, recentemente resultou na saída dos dubladores brancos das séries “Simpsons”, “Family Guy” e outros desenhos animados que, por anos, interpretavam personagens pretos. Fizeram isso por perceber que os personagens devem ser dublados por pessoas da mesma cor.
Quisera o destino que Boseman viesse a morrer exatamente 57 anos depois do discurso mais emblemático de Martin Luther King Jr., “I have a dream”, em que ele imaginou uns Estados Unidos sem desigualdades, racismo e violência contra o povo preto, lugar muito parecido com Wakanda, o reino de T’Challa.