A nova regulamentação das emendas parlamentares, aprovada pela Câmara dos Deputados após acordo com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai obrigar o Executivo a cortar R$ 11,5 bilhões de suas despesas programadas para 2025 e entregar o espaço à indicação dos congressistas.
O valor corresponde às emendas de comissão, asseguradas pelo projeto, mas não previstas no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) do ano que vem, enviado em agosto ao Legislativo.
A proposta original reservou R$ 39 bilhões para emendas impositivas individuais e de bancada. Com o acordo, esse valor subirá a R$ 50,5 bilhões —fatia que o projeto também garante de forma perene para o futuro. A proposta ainda precisa ser votada no Senado Federal.
O corte nas despesas do Executivo para abrir espaço à ampliação das emendas ocorre no momento em que a equipe econômica tenta convencer integrantes do próprio governo a apoiar um cardápio de medidas impopulares tidas como necessárias para conter a dinâmica das despesas no futuro.
As ações defendidas pelos times dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) envolvem a criação de um limite para o crescimento das despesas obrigatórias, com gatilhos de ajuste para ajudar a manter a trajetória dos gastos.
A lista também inclui mudanças em regras de políticas sociais, como seguro-desemprego, abono salarial (espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) e BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Elas podem figurar como gatilhos ou medidas estruturais.
Técnicos da área econômica reconhecem, sob reserva, que a ampliação das emendas emite um sinal contraditório no momento em que a equipe econômica busca apoio político a uma pauta que é impopular sob o manto de maior controle e eficiência dentro do Orçamento.
As emendas parlamentares têm sido alvo de críticas de especialistas por serem uma despesa difusa, de baixa eficiência e que atendem a interesses nem sempre coincidentes com as maiores necessidades locais.
Por outro lado, os mesmos técnicos afirmam que as negociações com o Legislativo contam com pouca margem de manobra em favor do Executivo. Além disso, as mudanças desenhadas pela equipe econômica nas políticas também dependerão do aval dos parlamentares, que precisarão, na avaliação desses interlocutores, dividir a responsabilidade pelas alterações.
Nesta quarta-feira (6), Lula questionou se os parlamentares aceitariam reduzir as emendas para contribuir com o ajuste fiscal.
“Se eu fizer um corte de gastos para diminuir a capacidade de investimento do Orçamento, a pergunta que eu faço é a seguinte: o Congresso vai aceitar reduzir as emendas de deputados e senadores para contribuir com o ajuste fiscal que eu vou fazer? Porque não é só tirar do Orçamento do governo. Os empresários que vivem de subsídio do governo vão aceitar abrir mão um pouco de subsídio para a gente poder equilibrar a economia brasileira? Vão aceitar? Eu não sei se vão aceitar”, disse o presidente em um trecho de entrevista concedida à RedeTV divulgado nesta quarta.
Apesar da indagação de Lula, a proposta que ampliou as emendas foi aprovada com apoio do PT, que deu 62 dos 330 votos favoráveis à proposta. Siglas como PP, PSD, União Brasil, Republicanos e MDB também apoiaram a iniciativa. Outros 74 parlamentares foram contra o projeto, entre eles membros do PSOL e do PL.
O texto garante a reserva que já existe para as emendas individuais e de bancada para 2025 e acrescenta os R$ 11,5 bilhões carimbados para as emendas de comissão.
A partir de 2026, haverá um limite de expansão dos valores indicados pelos congressistas. No caso das emendas impositivas, a correção precisará seguir o mesmo ritmo do arcabouço fiscal, que prevê alta de até 2,5% acima da inflação ao ano. Já no caso das emendas de comissão (não obrigatórias), a atualização se dará apenas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses até junho do ano anterior.
Procurado, o Ministério da Fazenda direcionou os questionamentos ao Planejamento.
A pasta comandada por Simone Tebet confirmou que não há recursos reservados no PLOA 2025 para emendas não impositivas, como as de comissão —ou seja, haverá necessidade de cortar recursos do Executivo. Segundo o órgão, caberá ao Congresso Nacional adequar a proposta orçamentária às novas regras.
O Planejamento não se pronunciou sobre o risco de a ampliação das emendas atrapalhar as discussões sobre a revisão de gastos.
A Casa Civil afirmou que, dos R$ 11,5 bilhões destinados às emendas não impositivas, R$ 5,75 bilhões deverão ser direcionados à Saúde, em ações que observem prioridades estabelecidas pelo gestor do SUS (Sistema Único de Saúde).
Como essas despesas serão contabilizadas no piso obrigatório da Saúde, a pasta entende que o impacto líquido do projeto será um corte de R$ 5,75 bilhões nas demais despesas do Executivo. Além disso, diz o órgão, os recursos também precisarão observar prioridades estabelecidas pelo governo.
A Casa Civil disse ainda que o Orçamento de 2024 conta com R$ 18,3 bilhões em emendas não impositivas, além das obrigatórias, e que a fixação do valor de R$ 11,5 bilhões para 2025 representará uma redução de quase R$ 7 bilhões nesses gastos em relação a este ano.
O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, avalia que o projeto aprovado na Câmara não só consolidou as emendas de comissão, mas também mantém o poder do Legislativo de intervir na execução do Orçamento, uma vez que as indicações poderão ser feitas após a aprovação do Orçamento no Congresso.
“Não haverá um processo em que, ao longo da discussão do Orçamento, as comissões decidam e votem onde alocar o dinheiro. Haverá uma reserva de recursos, que as lideranças partidárias decidirão como gastar ao longo do ano, depois do Orçamento aprovado”, critica.
Ele ainda vê brechas para que as emendas cresçam acima dos limites pactuados com o governo, uma vez que o texto assegura a possibilidade de fazer novas emendas mediante o cancelamento de dotações do Executivo, sem que estas novas indicações estejam sujeitas às regras.
Técnicos do governo, porém, afirmam que o dispositivo busca assegurar o direito dos congressistas de realocar recursos entre diferentes políticas ou ações dentro do Orçamento, seguindo algumas regras como abrangência nacional na aplicação dos recursos. Segundo esses técnicos, se o instrumento for utilizado para carimbar recursos para redutos eleitorais de parlamentares, eles deverão ser contabilizados dentro dos limites das emendas.
Segundo Mendes, o aval do governo ao projeto vai na contramão do debate da revisão de gastos. “Reflete uma posição de fragilidade do Executivo, que sabe que não conseguirá acordo melhor. Consegue algum alívio limitando o crescimento das emendas ao ritmo de crescimento do arcabouço, mas deixa portas abertas para mais emendas e consolida as emendas de comissão”, afirma.
Idiana Tomazelli/Folhapress