O chanceler da Hungria, Péter Szijjártó, ofereceu ajuda para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante uma reunião com a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Cristiane Britto.
O encontro ocorreu em Londres no início de julho, e a oferta húngara foi relatada pela própria Cristiane em relatório de viagem interno obtido pela reportagem. As duas autoridades estavam no Reino Unido para participar da Conferência Ministerial Internacional sobre Liberdade de Religião ou Crença.
De acordo com o documento, logo no início da conversa o ministro dos Negócios Estrangeiros e Comércio do país europeu afirmou ter solicitado o encontro bilateral porque, em primeiro lugar, os dois países compartilham a mesma visão sobre família. “Em segundo lugar, devido ao interesse em saber mais do cenário eleitoral, ele questionou se haveria algo que o governo húngaro poderia fazer para ajudar na reeleição do presidente Bolsonaro”, escreve Cristiane no relatório sobre a reunião com Szijjártó.
Como resposta, a ministra comentou “a polarização da sociedade brasileira” no período eleitoral. “Destaquei a convergência de pensamentos dos dois países em diferentes temas, particularmente naqueles afetos à competência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)”.
Na reunião, Szijjártó também disse que o Brasil tem a maior comunidade húngara na América Latina, grupo que, segundo ele, apoia majoritariamente Bolsonaro. No fim do encontro, ele “desejou sucesso nas próximas eleições presidenciais”, ainda de acordo com o relato feito pela ministra no relatório.
Procurados, a pasta comandada por Cristiane, o Itamaraty e a embaixada da Hungria no Brasil não responderam a questionamentos feitos pela reportagem. Ao Ministério das Relações Exteriores a reportagem perguntou se algum diplomata acompanhou o encontro e se o profissional relatou a superiores a tentativa de interferência no processo político-eleitoral brasileiro proposta por Szijjártó. Não houve resposta.
A Hungria é um dos raros aliados internacionais de Bolsonaro. O premiê do país, Viktor Orbán, esteve no Brasil para a posse do atual presidente brasileiro. A cortesia foi retribuída em fevereiro deste ano, quando o chefe do Planalto foi à Hungria, um dos poucos países europeus visitados por Bolsonaro.
O relato feito por Cristiane indica que, quando o encontro ocorreu, já estava prevista a viagem ao Brasil da presidente da Hungria, Katalin Novák. Poucos dias depois, ela chegou a Brasília para se reunir com Bolsonaro, o que ocorreu em 11 de julho. Na Hungria, o presidente exerce funções cerimoniais.
A agenda conjunta envolveu uma reunião no Palácio do Planalto e um almoço no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Depois da reunião no Planalto, ambos destacaram a proximidade entre os países, principalmente em relação às pautas identitárias. Premiê da Hungria, Orbán está no poder desde 2010, e sua gestão é acusada de erodir os mecanismos democráticos no país.
O ultradireitista, por exemplo, comandou a expansão da Suprema Corte húngara, deixando o colegiado amplamente favorável ao seu governo, e as mudanças nas regras para eleger deputados, o que facilitou a obtenção de maiorias no Parlamento pelo seu partido, o Fidézs. Orbán também promoveu o cerceamento à imprensa durante o seu mandato, seja por meio da compra estatal de publicidade ou ao incentivar empresários próximos do governo a adquirir veículos de imprensa críticos à sua gestão.
Na visita de Bolsonaro à Hungria, o presidente chamou Orbán de irmão e destacou que ambos compartilham valores semelhantes. Esses valores passam pelo o que o presidente brasileiro e o premiê húngaro chamam de defesa da família tradicional, rótulo que pressupõe críticas a qualquer composição familiar que não envolva um homem e uma mulher. Nesse sentido, temas de comportamento e valores conservadores foram discutidos na reunião de Cristiane com o chanceler húngaro.
“O chanceler húngaro falou da relevância da recente decisão da Suprema Corte dos EUA que derrubou o precedente Roe vs. Wade [suspendendo o direito ao aborto no país]. Destaquei, ainda, a recente adesão da Colômbia ao Consenso de Genebra [articulação internacional contra o aborto]”, diz a ministra no relatório.
“As partes comentaram, brevemente, a situação política na Colômbia e, em seguida, o ministro húngaro celebrou o fato de o Brasil não ter ratificado o pacto Global para Migração, comentando as dificuldades com o tema enfrentadas pela Hungria, ainda, sobre a pauta de costumes, com ênfase à educação de crianças em temas relacionados à sexualidade, a qual, na visão do governo húngaro, deve ficar a cargo das famílias, não das escolas”, continua Cristiane. “As partes também comentaram a pressão proveniente tanto de organismos internacionais quanto da imprensa liberal, dominante no cenário global.”
Szijjártó disse a Cristiane temer que uma mudança na legislação alemã para autorizar casamentos de pessoas do mesmo sexo e permitir a escolha de seu gênero a partir dos 14 anos se espalhe por outros países ocidentais. A citação se refere a uma proposta da coalizão governante que prevê a possibilidade de mudar nome e gênero por meio de autodeclaração. Adolescentes precisariam da autorização dos pais.
Lucas Marchesini/Folhapress